De empregada doméstica à primeira indígena a receber o título de mestre em comunicação social do Brasil. Essa é a trajetória da jovem Ariene Susui, do povo Wapichana, da comunidade Truaru da Cabeceira em Roraima. Com apenas 25 anos, ela conquistou o mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCom) da Universidade Federal de Roraima (UFRR). E a conquista foi dedicada ao seu povo:
“A mensagem que eu deixo aos comunicadores indígenas é de que: esse espaço é nosso”.
Ariene Susu
A informação de que a jovem é a primeira a mulher indígena a conseguir o título no Brasil foi divulgada pela Coordenação do Programa de Pós-graduação no dia 18 de outubro por não haver registro de nenhuma outra. A pesquisadora – que, agora, tem 26 anos – recebeu o título em agosto.
A pesquisa de Ariene que garantiu o título tem como tema ‘Comunicação indígena em Roraima e a criação de novas territorialidades digitais: rede Wakywai, resistências e saberes amazônicos’. De acordo com ela, tem como objetivo estudar como a comunicação indígena percorre as comunidades usando como estudo a ‘Rede Wakywai’.
Ela comenta que o título não é apenas uma conquista individual, mas também motivo de orgulho para seu povo e para os indígenas comunicadores do Brasil.
“A gente constrói tudo baseado no que a gente acredita. Ser a primeira indígena mestra em comunicação no Brasil e defender uma dissertação especificamente sobre comunicação indígena é essencial. Estamos nesse processo, sabemos também dos demais que vieram antes de mim, mas é a primeira vez que aqui é feita uma dissertação com o tema comunicação indígena, que hoje há vários estudos”, comenta.
“Escrever sobre isso, ser uma comunicadora, ser jornalista e escrever sobre esse tema traz aquilo que a gente sempre fala e sempre cobra: o protagonismo sobre nós mesmos. Dedico ao meu povo”,
destaca a mestra.
Para a orientadora de Ariene, a professora e doutora Vângela Morais, a dissertação da jovem é um símbolo muito forte para o programa de mestrado, que trata sobre a comunicação e os saberes amazônicos: “Esse conhecimento indígena que resultou na dissertação é um marco da presença dos diferentes povos na universidade que deve ser mais e mais incentivada. Precisamos reconhecer e valorizar a diversidade cultural em vários campos, usufruir dessas trocas, inclusive no campo da comunicação. Os povos indígenas produzem outras narrativas baseadas em outras visões de mundo que têm no centro as preocupações mais coletivas com a qualidade da vida e do meio ambiente”.
“Ariene soube muito bem transitar com competência acadêmica e com respeito às lideranças indígenas, produzindo uma análise aprofundada da comunicação indígena realizada pela rede Wakywai. Para mim, foi um privilégio acompanhá-la nesse percurso”, completa a professora.
‘Esse espaço é nosso’
Ariene ingressou na vida acadêmica em 2015, no curso de Comunicação Social da UFRR. Antes de entrar na universidade, ao sair de sua comunidade, precisou trabalhar como empregada doméstica e agora, com orgulho, carrega o título de mestra.
“Eu venho da comunidade indígena Truarú da Cabeceira, saí de lá aos meus 18 anos para poder ingressar no curso de comunicação na UFRR e com muito esforço, peguei um começo de curso muito turbulento. Trabalhei como empregada doméstica durante um mês antes de entrar na universidade, o que me trouxe várias questões sociais, onde eu descobri o que era o preconceito, o que era a violência que sofrem os nossos corpos enquanto seres indígenas”, conta.
Em 2020, a jovem entrou no programa de mestrado. Para ela, a educação, a ciência e a vida acadêmica abriram portas que “jamais serão fechadas” em sua vida.
“A academia me abriu muitas portas, me possibilitou estar 100% dentro da universidade, trabalhando e estudando. Foi algo que, pra mim, foi um divisor de águas, pois tive gente maravilhosas como professores que me deram esse embasamento de entender que tem pessoas que acreditavam no meu potencial e o que me transformou na pesquisadora que eu sou hoje”, declarou.
Agora, Ariene pretende se dedicar ao jornalismo investigativo com foco na Amazônia e nos povos originários, algo que ela carrega como luta. “Não quero focar só no campo acadêmico, mas também na produção enquanto jornalista indígena. Meu foco é mais voltado ao jornalismo que escancara a pauta da Amazônia, a questão do meio ambiente, enfim… Meu objetivo é que cada vez mais as denúncias de violência contra e dentro da Amazônia sejam feitas e divulgadas”, afirmou.
A mensagem que a mestra deixa para outros jovens indígenas que, como ela, sonham em seguir carreira acadêmica é de perseverança, resistência e, principalmente, de orgulho.
“É uma construção que vem muito antes e nós enquanto jovens que estamos dentro das universidades podemos estar onde nós queremos estar. É esse o nosso sonho, é essa a nossa luta, de sempre defender o direito dos nossos povos e também de garantir que essa luta seja vista através das redes, da escrita, da fotografia, do canto, dos rituais, tudo o que envolve comunicação, pois ela vai além das paredes da universidade”,
finaliza.
Por Caíque Rodrigues, da Rede Amazônica RR