A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) atuou em 549 ações para Alteração de Nome no período de janeiro de 2021 a julho de 2022. Os números refletem as dores de pessoas registradas com nomes que trouxeram traumas, constrangimentos ou o sentimento de não identificação e que buscaram na Justiça a modificação de seus prenomes. Os critérios para a mudança de nome estão previstos na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015, de 1973), alterada recentemente pela Lei 14.382, de junho de 2022, permitindo que a mudança de nome seja feita independentemente de autorização judicial, ou seja, diretamente no cartório, sem necessidade de justificativa ou motivo.
“De janeiro até agora, tivemos 184 agendamentos para alteração de nome e cadastramos 135. Nos demais, faltaram documentos ou a pessoa pediu arquivamento. Em 2021, foram 365 petições de alteração de nome”, informa a defensora pública Rosimeire de Oliveira Barbosa, que atua na Defensoria Pública Especializada em Atendimento de Registros Públicos. Os números não refletem a totalidade de casos em todo o Estado e são referentes a ações movidas por pessoas que não possuem recursos financeiros para arcar com os custos de processos judiciais, que é o público da Defensoria.
O estudante de Direito Vannutty Ferreira de Oliveira, 39, é uma das pessoas que conquistou o direito de alterar seu nome no registro de nascimento por meio de uma ação judicial movida via Defensoria. Em 1983, ele foi registrado como José Ferreira de Oliveira Júnior, nome de seu pai, porque o cartório não aceitou registrá-lo como Vannutty, que era o desejo de seus pais. Mais de três décadas depois e de uma vida inteira sendo chamado de Vannutty por familiares, amigos e no convívio social, ele finalmente poderá alterar seus documentos utilizando o nome com o qual se identifica.
Com a redação anterior, a Lei de Registros Públicos estabelecia os casos em que seria possível a alteração, dentre eles quando a pessoa era conhecida no meio familiar e social com nome diverso do que consta em seu registro de nascimento, ou quando este nome colocava a pessoa em situações vexatórias. Com a atualização trazida pela Lei 14.382, de junho de 2022, o processo de alteração de nome pode se tornar mais simples, sem a necessidade de justificativa ou de uma ação judicial.
Porém, a defensora Rosimeire explica que a atualização da lei, por si só, não assegura a gratuidade da alteração do registro de nascimento no cartório e que a Defensoria segue atuando, judicial e extrajudicialmente, nos casos em que a pessoa não tem condições de pagar este custo. O atendimento, nestes casos, é feito pela Defensoria de Registros Públicos, por meio de agendamento via serviço telefônico gratuito do Disk 129, de segunda a sexta-feira, das 8h às 14h. No agendamento, será informada a data e horário do atendimento e a documentação necessária.
“Essa alteração agiliza o processo, porque passa a ser possível realizar a alteração direto no cartório. Mas, quase tudo que é feito no cartório é pago, e aqui entra o papel da Defensoria de atuar em defesa das pessoas que não possuem recursos financeiros para arcar com os custos judicias e garantir a gratuidade”, explica a defensora Rosimeire.
Direito da personalidade
O Código Civil brasileiro estabelece que “toda pessoa tem direito ao nome, sendo ele formado pelo prenome e pelo sobrenome”. “O nome constitui não somente uma forma de identificação necessária para o gozo de direitos. Ele, em si, constitui um direito da personalidade, acrescenta a defensora.
De acordo com Rosimeire, a grande mudança com a atualização da lei é que a alteração de nome pode ser feita “imotivadamente” perante o cartório, isto é, sem necessidade de exigir motivo ou justificativa, tanto perante o cartório quanto diante do juiz nos casos em que necessária a gratuidade. “Do contrário, estaria se exigindo justificativa para troca de nome apenas dos hipossuficientes, que não têm condições de fazer a mudança direto no cartório. Seria uma quebra do princípio da isonomia, da igualdade”, esclarece.
Identificação
Para Vannutty, a alteração do nome sempre foi um sonho, porque ele nunca se identificou com “José Júnior”, mas acreditava que não seria possível. “É mais uma questão de identificação, de reconhecimento, de você olhar o seu documento e se reconhecer por completo. Meus pais não são mais vivos, infelizmente, não participaram presencialmente desse momento. Era desejo deles. José Ferreira de Oliveira era o meu pai, não era eu, não tinha nada a ver comigo. E eles sempre respeitaram, por que de fato foi a vontade deles de início”.
A audiência do processo de Vannutty ocorreu no dia 7 de julho deste ano, mesma data de aniversário de seu pai, o que tornou o momento mais especial ainda. E, segundo ele, não precisou de muito tempo para que o juiz concluísse que ele, afinal, sempre foi Vannutty e não José.
“Foi bem emocionante, um sentimento de pertencimento, de saber que a partir dali eu seria reconhecido como de fato eu sou a minha vida toda. Eu estava muito nervoso, mas quando eu ouvi o juiz falando “Vannutty Ferreira de Oliveira” foi muito importante e acolhedor, o respeito que teve de tratar como Vannutty ali e em toda a Defensoria. Desde o atendimento inicial, sempre fizeram questão de tratar como Vannutty. Para quem tá passando por esse processo de alteração de nome, isso é muito importante, muito significativo”, afirma o estudante de Direito.
Agora, Vannutty aguarda ansioso para fazer a alteração do registro no cartório e de todos os seus documentos. “Estou muito ansioso por esse momento, aqui ó, já mudou!”, diz ele, mostrando o crachá.
Texto: Márcia Guimarães
Fotos: Evandro Seixas/DPE-AM