Terra Preta da Amazônia aumenta o crescimento de árvores em até seis vezes

Cientistas brasileiros analisaram composição de solo típico resultante de manejo nativo almejando aplicações biotecnológicas para a restauração mais efetiva de áreas degradadas

Um solo conhecido como Terra Preta da Amazônia (TPA) promove um melhor crescimento de árvores tanto em termos qualitativos quanto de velocidade. A conclusão é de artigo publicado na revista Frontiers in Soil Science, resultado de investigações apoiadas pela FAPESP (20/08927-018/19000-4 e 14/50320-4) no âmbito do Programa BIOTA.

“A TPA é rica em nutrientes e sustenta comunidades de microrganismos que, entre outras coisas, ajudam as plantas a crescer”, explica Luís Felipe Guandalin Zagatto, mestrando do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP) e um dos autores do artigo. “Os nativos da Amazônia usam a TPA para plantar alimentos há séculos e não precisam de adubação para as plantas”, informa o texto.

O grupo de pesquisadores observou que a microbiota – todo o conjunto de bactérias, arqueias, fungos e demais microrganismos – da TPA é muito benéfica para o crescimento das plantas. A adição de TPA impulsionou o crescimento das três espécies arbóreas analisadas pelo grupo: mudas de cedro-rosa (Cedrela fissilis) e angico-amarelo (Peltophorum dubium) ficaram 2,1 e 5,2 vezes mais altas com 20% de TPA e 3,2 e 6,3 vezes mais altas com 100% de TPA, na comparação com solos-controle. A embaúba (Cecropia pachystachya) nem cresceu em solos sem TPA (controle), mas prosperou com 100% de Terra Preta. Também a massa seca de capim braquiária, usado em pastos, aumentou 3,4 vezes com 20% de TPA e 8,1 vezes com 100%, em comparação com o solo-controle.

“As bactérias da TPA atuam transformando algumas moléculas do solo em substâncias que podem ser absorvidas pela planta”, detalha Anderson Santos de Freitas, doutorando no Cena que também assina o artigo. “Fazendo uma analogia bem rudimentar, daria para dizer que as bactérias atuam como ‘minicozinheiros’, transformando substâncias que a planta não consegue ‘ingerir’ em coisas que ela de fato aproveita”, explica Freitas, que também é cocriador do podcast Biotec em Pauta.

A TPA apresentou maiores quantidades de nutrientes do que o solo-controle: por exemplo, 30 vezes mais fósforo e três a cinco vezes mais de cada um dos outros nutrientes medidos, exceto manganês. Também tinha um pH mais alto.

Zagatto e seus colegas coletaram amostras de TPA no Campo Experimental do Caldeirão, no Estado do Amazonas, e, como controle, no solo agrícola da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), em Piracicaba. Preencheram 36 vasos de quatro litros com três quilos de terra, instalados em estufa com temperatura média de 34 °C – em um exercício de antecipação do aquecimento global, visto que as temperaturas atuais na Amazônia variam entre 22° e 28 °C.

Um terço dos vasos recebeu apenas solo-controle, outro terço uma mistura de quatro para um de solo-controle e TPA e outro terço 100% TPA. Para emular pasto, plantaram em cada vaso sementes de capim braquiária (Urochloa brizantha), forragem comum para a pecuária no Brasil, e deixaram suas mudas crescerem por 60 dias. Depois cortaram o capim e deixaram apenas suas raízes – terreno ideal para a simulação de uma condição de restauração de pastagens degradadas. Os pesquisadores então replantaram cada um dos três solos com sementes das três espécies de árvores analisadas.

Aplicações biotecnológicas

Zagatto destaca que a proposta do grupo não é utilizar o solo em si, uma vez que a TPA é recurso finito e bastante protegido. O objetivo da pesquisa é compreender quais são as características químicas (como nutrientes, matéria orgânica e pH), bioquímicas (como a atividade de enzimas) e biológicas da TPA que são tão benéficas para as plantas.

“Precisamos entender exatamente quais são os microrganismos responsáveis por esses efeitos e de quais formas poderíamos utilizá-los sem necessitar da TPA propriamente dita. A partir daí, então, tentaremos, por exemplo, replicar essas características por meio de desenvolvimentos biotecnológicos. Esse trabalho é um primeiro passo nessa direção”, complementa.

O Brasil está perdendo muitas áreas florestais, não só no bioma amazônico, e isso ocorre por diversos fatores, como, por exemplo, a substituição de florestas por pasto ou cultivos agrícolas. Por isso, é necessário, cada vez mais, encontrar maneiras de restaurar essas áreas e fazer as florestas voltarem a crescer rapidamente e a oferecer todos os serviços ecossistêmicos, ou seja, os benefícios que proporcionam ao ambiente e, consequentemente, às populações humanas, entre os quais regulação do clima e da qualidade do ar, além de estocagem de carbono no solo.

“No estudo buscamos avaliar um possível fator de melhora para projetos de restauração ecológica de florestas tropicais, mais especificamente da floresta amazônica, para que, no futuro, essas áreas possam retornar a um estado mais próximo possível de suas condições originais”, diz Zagatto. “Acreditamos que esses resultados são promissores e mostram que usar as características da TPA na produção de mudas ou mesmo diretamente em campo pode ser uma forma de acelerar os projetos de restauração ecológica de florestas tropicais.”

O artigo Amazonian dark earths enhance the establishment of tree species in forest ecological restoration pode ser lido em: www.frontiersin.org/articles/10.3389/fsoil.2023.1161627/full.

Matéria de Ricardo Muniz, Agência FAPESP .

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